segunda-feira, 17 de maio de 2010

Racismo?!



Começo este post polêmico dizendo que NÃO sou racista e que, considerando meus avós, sou 25% negro de origem angolana, 12.5% indígena da Amazônia e 62,5% caucasiano (12.5% espanhol e 50% português).

Um dos principais motivos para escrever sobre isso é o crescente contato com que venho tendo com as políticas de afirmação racial (não sei se este é o nome correto). Certos argumentos me causam grande incômodo, como o que eu acabei de ver dentro do ônibus interno da UFRJ. Uma tira de arte sequencial mostrando um branco subindo em um preto para alcançar um lugar mais alto e depois não ajudando o preto a chegar lá também. Aliás, eu digo preto para me referir às pessoas de pele escura por um simples motivo... elas se referem a mim como branco. Ambos são cores. Nunca fui chamado de caucasiano e, para falar a verdade, nem gostaria. Isso passa uma ideia de raça, uma distinção de pessoas que é tão desnecessária. Realmente não entendo o problema de se referir a uma pessoa pela cor da sua pele. Claro que sempre respeitando esta pessoa e sem ter nenhuma conotação pejorativa associada à palavra.

 
Primeiramente gostaria de desmitificar os principais argumentos contra a política de afirmação racial. O nível da universidade não cai. Como demonstrado no relatório da UERJ sobre os alunos que entraram por cota eles ficam nivelados a partir, em média, do terceiro período. Outro mito, não se cria uma animosidade entre brancos e pretos na universidade. Não se teve problemas enquanto a isto até agora. Esta animosidade, se existe, é criada fora da universidade pelos alunos brancos que não entraram e que tiveram nota maior que os dos concorrentes pretos.

 
Já o terceiro mito nem é tão mito assim. Realmente as notas dos alunos cotistas são muito mais baixas que as dos não cotistas. Isso fere o princípio da igualdade que tanto defendo. Bem, vamos trabalhar isso um pouco mais. Eu concordo totalmente que os pretos deste país não possuem nem de perto as mesmas oportunidades que os brancos. Deveriam existir políticas para equilibrar esta balança? Sim! Na universidade? Em termos! Creio que as reformas deveriam ocorrer na base para, aí sim, se mudar toda a estrutura educacional. Por que não vemos essas políticas de afirmação exigindo cotas para escolas de ensino fundamental e médio federais (pode até existir e eu não estar sabendo)? A meu ver isso é algo totalmente paliativo e cômodo para ambas as partes. Para os pretos e principalmente para o governo. Segundo este raciocínio por que não existe movimento exigindo uma cota para senadores pretos? As chances de um senador preto ser eleito são bem menores que de um preto entrar para uma universidade pública pelos mesmos motivos. Aliás, segundo este raciocínio, deveria existir cota para tudo e todos. Pessoas feias geralmente não são contratadas para serem vendedores (e esse é um dos motivos pelo qual só compro roupa em loja de departamento) e ficam apenas no estoque escondidas. Elas não deveriam reivindicar a sua parcela contra um sistema que preza pela beleza física? Sistema que existe atualmente, diferentemente da escravidão. Eu não acho que eu deva pagar por um erro cometido por outras pessoas antes de meu avô ter nascido. Muito menos acho que os pretos devam pagar por este mesmo erro e apoio qualquer política de afirmação racial que proponha reformas de base. Esta política de cotas é tão paliativa que ninguém nunca discute quando as cotas devem acabar.

 
Vejam bem os problemas de existir cota. Qual é o propósito da cota racial? Dar condições para alunos pretos de terem acesso a um ensino superior de qualidade no qual eles não teriam condições de conseguir competindo com os brancos que estudaram em boas escolas. Se eles estudaram em boas escolas foi porque alguém pagou por elas. Logo, o propósito da cota é: dar condições para alunos cuja os pais, por serem pretos, não tiveram condições de pagar por uma boa educação para seus filhos, enquanto o pai do filho branco tinha dinheiro para pagar. Aqui chegamos a dois grandes problemas.

 
Primeiro. E os filhos de pretos que tiveram pais com condições de pagar por bons estudos? Naturalmente não são eles que vão ficar com essas vagas de cota deixando ainda menos oportunidades para os pretos pobres de tentarem o resto das vagas num funil bem menor? Segundo. E os filhos de pretos com brancos que nasceram brancos? Veja o meu caso de forma hipotética (apesar de meu pai ter tido condições de pagar um bom estudo), meu pai é preto, minha mãe é branca e eu nasci branco. Quem provém à renda de casa é meu pai. Logo eu tive condições para estudar iguais as de um filho preto. Não me parece justo. Eu não tive como pedir cota na UERJ por ser branco. Agora pensemos isto em um contexto Brasil onde existem inúmeros filhos de pretos com brancos. Quantos filhos brancos de pais pretos que não possuem condições de pagar por bons estudos não terão esta oportunidade de entrar por cota e, pior, terão que passar por um vestibular com a concorrência bem maior?

 
Voltando ao princípio da igualdade. Se eu ficar de fora da lista dos classificados com uma nota bem maior que um cotista e ele entrar por ser preto... eu fico pensando... isso não é racismo? Ele é melhor que eu por ser negro e eu caucasiano? Ou ele é inferior que eu e por isso merece a vaga por pena? Isso não cria certo desconforto? A questão do racismo no Brasil é muito complicada justamente por ninguém tratar este tema abertamente e o racismo se aproveita disto e fica muito menos evidente para a sociedade.

 
Outros exemplos que causam desconforto. Acho que deveríamos ter o dia do orgulho caucasiano ou acabar com o dia do orgulho negro. Se bem que acho que ter orgulho por algo que eu não conquistei é muito deprimente. Um branco usando uma camisa 100% caucasiano. Por que isto causa desconforto? Temos que levar este debate sobre o racismo para as esferas públicas e não tratar como um tabu.

 
Sabe o que mais me surpreende sobre esta política de afirmação racial? Ninguém vai bater na porta do Vaticano e reivindicar uma indenização pela Igreja Católica ter promovido à escravidão. Lembram? "O negro não tem alma e por isso pode ser escravizado". A meu ver a maior culpada pela situação dos pretos nas Américas é a Igreja Católica. Pior, além de não exigirem uma compensação pela sua condição atual a maioria dos pretos que eu conheço é católica! Apesar do fato da igreja ser altamente patriarcal, machista e racista. Sabe aquele portal logo após a entrada da igreja, que hoje em dia, sempre está aberta e você fica se perguntando para que isso serve? Servia, logo após a abolição da escravidão, para evitar que os pretos, que não podiam entrar na igreja, assistissem as missas... bastava fechar este portal, assim os brancos podiam entrar e sentar enquanto os pretos ficavam da porta olhando para um portal fechado, mais um belo exemplo da moral cristã.

 
Enfim, devemos ter medidas paliativas sim, mas de forma de acesso mais abrangentes. Como cota socioeconômica. Criação de pré-vestibulares de qualidade públicos para que os pretos e brancos pobres possam concorrer em termos de igualdade. E, sempre, lutar por reformas de base para nunca mais termos que usar a palavra cota. Palavra esta que só remete a situações de não igualdade.