sábado, 26 de março de 2011

Andando de Ônibus


Esta semana estava pensando na arte que é andar de ônibus aqui no Rio de Janeiro, mas creio que isso se aplica em praticamente todas as cidades do Brasil. Primeiramente vamos aos problemas de ordem logística.

O trânsito no Rio já beira o caótico. Da minha casa até o trabalho, um trajeto que, de carro, leva perto de 25 minutos eu faço de ônibus em 1h e 30min. Engarrafamentos constantes, aliás até estranho quando não os pego (o que é muito raro), nas principais vias da cidade. Quando chove então... já saio 20 min mais cedo para chegar apenas 15min atrasado. Vejo as obras de infraestrutura para as olimpíadas e a copa começando a chegar (finalmente) a essas vias no qual trafego diariamente. Fico imaginando o quão cedo terei que acordar quando começarem a interditar partes das estradas.

E as passagens de ônibus? 2,40 pelo serviço oferecido eu acho, particularmente, muito caro. Ainda mais para quem ganha o mínimo do estado (felizmente não é o meu caso), mesmo com o cartão de integração. Ônibus lotados, quebrados, sujos, mal planejados e com motoristas/cobradores mal educados (na sua maioria). Sem contar que a frequência no qual eles passam é muito baixa... constantemente espero até 20 min no ponto por qualquer um dos ônibus que me servem (4 linhas). Ainda no quesito preço... pagar 6 reias por um ônibus com ar condicionado em um trajeto relativamente curto é praticamente um assalto legalizado.

A condução dos veículos, também, me preocupa. Se qualquer passageiro filmasse uma ida ao trabalho e postasse no youtube com o título "Veloses e Furiosos - Rio" certamente receberia muitas visitas. Uma série de imprudências, infrações de transito e desrespeitos. O que me deixa mais puto é ver um idoso deixado com o braço estendido olhando o ônibus passar e o motorista fazendo de conta que observa alguma outra coisa do lado oposto da rua... sem contar os inúmeros estudantes da rede pública que também passam por essa situação.

Infelizmente a aventura não acontece somente do lado de fora do ônibus... os passageiros contribuem para o espetáculo. A falta de respeito impera quase como um pré-requisito para poder embarcar. Como eu pego minhas conduções sempre (no caso da ida) no ponto final eu vou, logicamente, sempre sentado. Antigamente, mas não há tanto tempo assim, no auge do meus cabelos soltos e grandes e a barba de um xiita e com as minhas tatuagens a mostra eu "gozava" de um privilégio muito bom... poder ir ao lugares sentado e SEMPRE com o lugar vago ao meu lado, mesmo com o ônibus lotado. Pois é, mais uma demonstração da boa educação da maior parcela da população. Claro que eu sei que essa educação é condicionada pelo senso comum que por sua vez é fomentada por processos históricos e pelos meios de comunicação, não vou hoje entrar nesse mérito, mas apenas quero evidenciar o comportamento que era obrigado a aguentar.

Mas não somente esse comportamento era irritante... pois não existia ação direta em mim. Outras ações, algumas recentes, irritam muito mais. Por exemplo... o cidadão que coloca a sua bela música no celular alto e sem fone. Como eu não sou uma pessoa casual meus gostos seguem o mesmo caminho... escuto um tipo de música que comecei aos meus 7 anos de idade (hoje tenho 28) e que não é uma música de fácil acesso as massas no Brasil. Logo, todas as vezes que alguém coloca seu celular a tocar música alta sempre me causa desconforto. O que custa um colocar um fone? Vou começar a andar com 2... na hora de descer pego de volta. Pessoas que não cedem lugar aos deficientes físicos, gestantes e idosos... e ainda sentam nos bancos reservados para eles e nem se quer se incomodam com isso. Por falar em ceder o lugar... desde quando ser gostosa/bonita é deficiência? Que porra é essa? Não sei se acontecem com vocês... mas muitas vezes estou eu lá sentado fazendo minhas coisas e alguém encosta no meu braço com uma mochila, bolsa, perna, braço, barriga (sempre sento no corredor) e quando olho é alguma guria que fica te olhando como se eu tivesse a obrigação de segurar os seus pertences ou ceder lugar... e quando não o faço e peço (na maioria da vezes educadamente) para desencostar recebo aquele olhar de "seu mal educado"... porra, não sou eu quem está esbarrando nos outros propositalmente para conseguir lugar. NUNCA cedo lugar pra mulher... vá lutar por mais um direito sexista e peça um ônibus somente para as mulheres... não conseguiram vagão no metrô? Tenho o maior prazer em ajudar nerds (homens e mulheres) com "300 kg" de material de estudo, mas segurar bolsinha de mulheres anorexas que seguem um padrão de beleza imposto pela sociedade... no way.

Pessoas que abrem a sua janela... o que é isso? Sério... se eu tivesse uma arma de choque era certo eletrocutar o cidadão que faz isso... mas como não tenho eu apenas volto a fechar a janela e fico encarando o sujeito. Caso me peçam para abrir, com educação, dependendo do que estou a fazer, até abro na maior boa vontade. Sendo racional e responsável, sempre abro a janela quando as circunstâncias requerem isso. Verão carioca, ônibus lotado... até eu peço pra abrir.

Crentes pregando no ônibus... existem dois níveis onde isso ocorre. O crente que prega para o ônibus inteiro, como se aquilo fosse a igreja dele... muito cristão essa falta de respeito para com os passageiros, se eu quisesse ser evangelizado iria ao lugar correto. E tem o crente que senta ao seu lado e tenta te converter... obviamente a minha aparência chama esse tipo gente, acho que na psique deles uma pessoa que nem eu convertida deve valer mais pontos.

Então... para aguentar tudo isso é preciso criar táticas especiais. Eu utilizo duas muito boas. Sempre levo meu Ipod Touch... não consigo mais sair de casa sem ele. Funciona bem em duas vias. A de não ter que aguentar as músicas dos outros, barulho de trânsito, motor, gente pregando ou conversando alto. E me dá tempo de escutar a coisa que mais gosto na vida... música. Já tenho tão pouco tempo para escutar música em casa que não perco essas oportunidades... é realmente juntar a fome com a vontade de comer. A outra é ler. Mas nunca leio nada que tenha que ler, como por exemplo textos pro mestrado, laboratório ou do trabalho. Leio o que não tenho tempo de ler em casa... literatura, biografias, história, filosofia, etc. Esse ano estou no meu segundo livro de ônibus. Li Ensaio sobre a Cegueira do Saramago, uma bela distopia, recomendo. E leio agora o livro que sempre quis ler, presente de um grande amigo, Ghost Rider: Travels on the Healing Road do Neil Peart... que conta a história de uma viagem feita por ele para se reencontrar após a perda da única filha e da esposa em um espaço de 10 meses. Viagem documentanda com belos relatos e descrição das belas paisagens misturadas com seus sentimentos. Recomendo com toda a certeza. Hum! Pra quem não sabe o Neil Peart é o baterista do Rush, minha banda favorita.

Bem gente, é isso.
Abração.